Vivo mal com agosto. Nasci pelo solstício de inverno, mais de vinte e cinco graus e já me falham as pernas e o discernimento, arrasto-me pela casa, derreto na cama, hiberno aos domingos, temo a implosão do sol. Mantenho-me viva à custa de água e imaginação. Fecho os olhos e invento um arrepio, penso no regresso das chuvas, nas brisas de outono, no vento gelado de dezembro, num aguaceiro abundante que me apanhe desprevenida na rua, e a inevitabilidade de tudo isso consola-me. Com a lucidez que resta ainda me socorro da memória da noite de hoje, de estar contigo na Arca d' Água, deitada num desses bancos de jardim abençoados em todas horas do dia pela sombra das árvores - onde as mães se sentam a dar de comer aos filhos e os velhos pousam para chorar o tempo que já não é deles - e de acordar de repente, sem susto nem razão, com agosto todo colado ao corpo, tanto suor, tanta saudade.