A viúva, vi-a pela última vez numa noite de setembro, à despedida do verão, no terraço do restaurante italiano, acompanhada de um tipo de blazer e bigode com o charme desusado dos anos oitenta. Espartilhada num vestido curto de napa preta, com o nome da marca em metal dourado em cada uma das alças e uma echarpe vermelho-sangue pontuada de brilhos, a viúva mostra sempre dinheiro a mais e gosto a menos no despudor com que traja. O seu ego tira basto proveito da líbido desassossegada dos homens, do ruído maldizente das mulheres e das águas paradas nos leitos conjugais, mas nada da parte dela nos é devido por causa disso. Pelo contrário. O rasto de vibração felina que deixou, ao atravessar o terraço até à mesa reservada, foi um generoso empréstimo que salvou da bancarrota emocional alguns clientes, cansados já de atualizar o feed nas redes sociais enquanto o vinho não chegava à mesa.
O tipo de blazer e bigode notou bem o poder da mulher que abria caminho à sua frente pois dele terá sido também uma vítima, ainda que lhe tenha tocado a sorte de poder mexer enquanto aos outros a toda a hora é lembrado que ver é com os olhinhos. Sentaram-se frente a frente, sob a ramada, junto ao estrado onde um rapazito de pouca barba tocava velhas canções italianas em versões frígidas e cheias de tiques modernos. Comeram risoto de qualquer coisa que à distância não vi, conversaram em sussurro, deram-se discretamente as mãos, até ao momento em que, pelos efeitos do vinho ou por artes do tipo de blazer e bigode, a viúva largou a rir, primeiro naquele modo disfarçado que usam as crianças transgressoras, depois em gargalhada livre.
– Cale-se, Artur! Pelo amor de Deus cale-se, que eu não aguento mais...
Então desfez-se ele a rir também. E enquanto ambos riam e quanto mais riam mais vontade de rir ganhavam, parecendo já que cada um ria de o outro tanto se rir, o rapazito de pouca barba cantava, nessa língua que tão bem embala os corações enamorados: io ti amo e chiedo perdono, ricordi chi sono, ti amo, ti amo, ti amo, ti amo, ti amo.
Nessa noite tomei a decisão de ir a Itália.