8.11.23

– À mulher de Penedono, faz-lhe falta ter um dono.
O senhor Pereira acabou de descobrir o poder das rimas e contenta-se de ter arranjado maneira de dizer as suas verdades provocando mais riso do que indignação. Diz que agora lhes chegam as ideias de repente, às vezes enquanto lê o jornal ou toma banho, e pede à mulher que as vá anotando num caderninho, até porque está a pensar usá-las para animar a família na consoada. Não bastassem à senhora os deveres da governação doméstica, acrescem agora os de secretariar o poeta recém-nascido e coletar os seus delírios.
– Com todo o respeito e não se ofenda a menina, mas esta de Penedono também dá para si, não dá?
– Por acaso, não. Já lhe disse que a minha terra é a norte, na margem direita do Douro.
O senhor Pereira estranha que me rale mais o lapso geográfico do que a estocada machista, mas creio que estando além das minhas possibilidades desenferrujar toda a estrutura de valores em que, sem brecha de humildade, o septuagenário assenta, posso ao menos fazer donativos à sua pobrezinha cultura geral. 
– Não me leve a mal, mas a menina é um bocado picuinhas. Aquilo é tudo mais ou menos por ali.
Insiste em fazer do país interior uma amálgama, um ali ou além ou acolá que aos seus olhos diminutos não diverge no atraso social, cultural e mental. Transmontanos, beirões, alentejanos, vai dar tudo no mesmo, safam-se talvez os minhotos porque favorecidos pelos ventos do dinamismo galego ou a menina não se lembra de quando íamos todos às compras a Vigo, que cá não havia nada de jeito? 
Todos não, senhor Pereira. Com o carimbo da minha boa memória certifico que em romarias do consumo nunca os meus pais embarcaram e muito menos arrastaram a infância dos filhos para tais devoções. Noto que se abespinha com a ideia de que eu possa estar a reduzi-lo a um vulgar deslumbrado, mas, enfim, às vezes os dias não correm de feição e se os houve em que eu saí diminuída pelas suas imbecilidades, outros tem de haver em que o troco seja dado.
Porém, este homem para derrotas não foi talhado, muito menos perante uma mulher, pois então é muito mais do que a razão que está em jogo – é a dignidade. E o trunfo, como habitualmente, bate-o na mesa mesmo antes de me virar costas.
– Olhe, fica já aqui o compromisso. Na semana que vem, a menina vai ter uma rima só para si.