Na clausura a que voluntariamente me presto, revivo aquela hora morta da tarde em que a natureza, por imperativos anteriores à ordem dos humanos, obriga ao repouso, e as casas cerram as portas para travar a entrada do calor e das moscas. Ouço o rumor de trânsitos longínquos, o vento embala as folhas das árvores com um sussurro premonitório, as abelhas cumprem o laborioso fito da sua existência, ressoa em mim toda a melancolia do mundo, o ar é quente, espesso, volto ao Douro, tenho dez anos e o espírito tão desassossegado, os adultos já recolheram aos quartos para a sesta, exceto o meu pai, está a fumar com os olhos postos nas ossadas da vinha, tenho perguntas para ele mas receio violentar a solenidade da sua introspeção, ainda sobrevivem no ar os aromas da manhã, dos lençóis lavados abertos ao sol, do café de saco, do pão tostado, do tempero do cabrito, da sopa de cebola ao lume, do mosto e da humidade que os lagares expiram desde o ventre da casa. Então, esta felicidade que sinto, breve e comovida, pesa com doçura nos meus olhos, e, diante do altar de Buda, sentada, vertical e sem apoio, mergulho num sono profundo.