9.3.23

A rapariga da papelaria voltou a meter o coração em sarilhos e, desta vez, a coisa é tão feia que dificilmente a mãe suportará a vergonha. Não sou eu quem diz, é a gente, por aí, que supõe. E as suposições, quando não se calam como devem, lançam boatos e os boatos enredam histórias que, por sua vez, desembocam em juízos e os juízos, sendo humanos, ganham força de moral e a moral pode às vezes tornar-se a mais devastadora de todas as armas de guerra fria. Que o diga Gabi, a manicura sonsa, muito fraca a encobrir a satisfação de ter pontos ganhos sobre a rival: quem diria? aquela pose de santinha, toda tristonha, toda coitada, e olha...
Mas sobre o que ainda são só contos e ditos, por princípio não se fala neste blog. 

8.3.23

A minha mãe morreu torturada por um cancro que lhe cravou as garras na parte do corpo onde foi maior a generosidade dela – seis filhos dados à luz. Desde então, sondas e olhos clínicos vigiam o meu ventre com intervalos regulares e assim acredito poder antecipar-me ao monstro, caso ele pretenda fazer também em mim a sua toca. É nisto, e apenas nisto, que me custa ser mulher. Tenho privilégios. Sorte. Educação. Liberdade. Falo alto, onde e quando quero. A ninguém devo ou presto contas. Tenho fé nos meus filhos homens e no seu contributo para corrigir certas imperfeições do mundo. Mas sobrará sempre esta impressão de que a natureza ameaça o meu corpo de fêmea a toda a hora, que opera os meus recantos silenciosos, húmidos, fundos e arredondados para seu proveito e depois, quando não lhe servirem mais, cuspirá neles a sua peçonha.