21.4.23

Quando se deita ao meu lado, o homem cínico conta-me histórias a preto e branco da sua infância rural, de como os invernos rangiam nos ossos dos velhos e os aguaceiros de estio arruinavam a fé dos veraneantes. Depois de sucumbir à morte por obra e graça dos meus venenos de fêmea, embrulha-me na robustez dos seus tentáculos e fala-me ao ouvido sem romance nem maquilhagem, a formulação tão exata que não possa ser desdita e os verbos conjugados no tempo presente do modo concreto, por saber que nem as coisas já idas nem outras que se podem sonhar são honestas como as ciências que explicam a atração dos corpos.

5.4.23

Não acredito que possamos vencer e ultrapassar o machismo dando importância, por mais do que um par de horas, às declarações de um sujeito de escassos recursos morais e emocionais. Acredito que a nós, mulheres, compete continuar a ser o que a nossa natureza e caráter mandam que sejamos, eliminando barreiras por uma força quotidiana e solidária, às vezes com barulho, mas outras também em silêncio e de forma igualmente assertiva e voraz. O nosso combate pela igualdade de todos os seres humanos é esse, é nas ruas, nos locais de trabalho, em casa, no sexo, nos pódios, na noite, na educação dos filhos nossos e das outras mães, no modo de andar de queixo levantado em qualquer corpo, em qualquer dia. E sempre que fizermos o que por bem entendermos fazer ou recusarmos o que entendemos certo recusar, abrimos o caminho. Não percamos esse foco. O senhor do Correio da Manhã é passado e mais rapidamente morrerá no passado quanto mais cedo reduzirmos o seu nome a pó: uma inconveniência que com um gesto vago e superior sacudiremos. Desde que o nosso combate continue, e seja firme, consequente e inteligente, ele e outros semelhantes estão condenados à extinção. E sendo bem feito esse trabalho, os netos que tivermos só saberão da sua existência pelos velhos manuais da escola, nos pontos vergonhosos da nossa timeline.