A minha relutância ao uso de perfumes e fragrâncias não é só visceral, sensual, é também sentimental. Estranho muito que se atribua aos perfumes responsabilidade pelo charme e boa imagem individual ou que sejam considerados recursos de sedução, menos ainda que se usem para mascarar odores naturais. Frascos produzidos em série e colocados no mercado aos biliões, consoante modas, correntes, tendências, mitos, narrativas e estratégias, não personalizam, antes diluem a originalidade, a graça e a memória que cada um deixa.
Ontem, às compras no pingo doce, voltei a comprová-lo quando senti o cheiro do teu perfume. Paralisei, primeiro, depois não resisti e lancei-me na busca da sua origem, farejando devagar, arrastando o passo, simulando interesse em produtos que não pretendia, indo e vindo de acordo com a impressão de proximidade ao aroma. Inebriada, seduzida, abrandei no talho e, para ganhar tempo, dei comigo a estudar minuciosamente os escalopes de novilho, os hambúrgueres de picanha, os lombinhos, o entrecosto, as febras — o teu cheiro cada vez mais perto — , os peitos de frango, os bifes extrafinos, as coxas, as asas, os miúdos, e, chegada às espetadas de peru, certa de que era ali, escutei a voz simpática do repositor de carnes: a senhora precisa de ajuda?