Faz-me pena a rapariga que veio para a entrevista no departamento oposto ao meu. Pelo vidro da porta, vejo-a muito aplicada no domínio da linguagem corporal, não dobra as costas nem cruza as pernas, põe freio nas ganas de gesticular, inclina ligeiramente a cabeça para se mostrar atenta. Imagino que esteja em esforço para falar corretamente, a sua e todas as outras línguas. Talvez responda ingenuidade, teimosia e perfeccionismo quando lhe perguntarem pelos seus maiores defeitos. Faz-me pena que invista tanto em maneiras de rigor, equilíbrio, sensatez ou educação e tenha a ilusão de que importam. Mais cedo ou mais tarde descobrirá que nos locais de trabalho não se foge à regra da vida em geral, as pessoas endoidecem, embriagam-se, enrolam-se, maldizem, censuram, apaixonam-se, traem-se, culpam-se, derrapam nas contas, gaguejam nas línguas, ajavardam na ortografia. A lucidez não é valor por aí além – tem mais fama do que outra coisa qualquer – e as maneiras só importam consoante o caminho que abrem. O dinheiro, que é a causa e a consequência de se trabalhar, não tem esquisitices: aperta a mão à mediocridade e à excelência com igual vigor. Portanto, se esta garota tem a ideia de que saiu da universidade para entrar num mundo adulto, intelectualmente dotado e moralmente superior, o balde de água fria vai custar. Depois habitua-se.