24.9.21

A caminho da pré-escola, Alicita vai celebrando as bênçãos e as miudezas da infância. Nenhuma rotina lhe pesa, tudo tem ar de novidade. Como pode a gente adulta enfastiar-se neste mundo sempre em movimento? Não são um espanto as flores a despropósito nas juntas dilatadas do passeio, as nuvens na corrida de outono, os rostos estranhos na paragem de autocarro, as cabriolas do gatinho a assaltar o ecoponto, o ciclista a esforçar-se tanto na subida? Orgulhosa de ser aprendiz de pleno direito, com inscrição e documento, nome bordado na bata, pão com queijo, iogurte e muda de roupa na mochila, Alicita vai com fé. Se houver razões para temer ou duvidar do destino que lhe é imposto, não as provou ainda. Que perfeição. As velhas acenam, atiram beijos e votos de uma jornada de alegrias e êxitos. A avó orienta: anda, minha florzinha, estuda para chegares onde a tua mãe não foi capazEstão cheias de mágoa estas palavras, mas Alicita só reconhece nelas lisonja porque o filtro da inocência retém o que não presta. Ri e diz que sim, que chegará lá onde querem que chegue. Não sente, mas tem a infância toda cravejada pelos estilhaços do desastre sentimental em que a mãe e avó vivem, duas fêmeas orgulhosas, inimigas só por vício e engano, a sangrar de pescoço levantado.