4.9.21

Em contagem decrescente para a partida de Joaquim, os Pereira fazem a gestão atabalhoada das emoções e encontram na atribuição de culpas o mais rápido dos paliativos. Se é grande o rancor que neste momento os une, muitos são os que os separam. Nenhum teve a coragem bastante para desafiar a imperatriz nem humildade para lhe pedir que reconsiderasse a decisão, em nome do futuro de Joaquim e da felicidade de todos. Então, calada e acobardada a raiva que ganharam à mãe do menino, travam entre eles uma batalha de egos e disparam acusações, cada um achando que os outros têm responsabilidade no desfecho. 
Curiosamente, agora o senhor Pereira mantém-se longe deste ajuste de contas e cede àquela melancolia que dá nos velhos quando notam que para tudo se fez já demasiado tarde, uma melancolia sem charme nem romantismo que só na morte encontra cura. A graça de Joaquim no seu quotidiano foi breve, como um prémio atribuído por engano. Deus desfere golpes traiçoeiros, dá com uma mão para a seguir tirar com a outra, há quem se console com o eufemismo da porta que se fecha e da janela que se abre, mas tudo se resume a um jogo para nos manter despertos, porque em repouso somos imprestáveis, só medidas pares de amor e raiva podem manter a rotação do mundo no ponto exato e tenso, tão a salvo de ser consumido pelo fogo como de se lançar ao infinito. Joga quem souber, quem não jogar enlouquece.