26.8.21

No ano passado, Gaspar prescindiu da horta para criar mais lugares de estacionamento. Uma pena, porque a horta, a bem dizer, resgatava à ignorância muita canalha que vinha das cidades a julgar que a troncha nasce nos lineares do pingo doce. Era o modesto mas bem-intencionado contributo de Gaspar para o esclarecimento da Humanidade. Sucede que agora, com o vírus e o medo de passar fronteiras, as famílias vêm em romaria ao interior aliviar os stresses e reconectar-se com a natureza, então Gaspar teve de escolher entre continuar a salvar as crianças do provincianismo urbanita ou criar novos espaços de estacionamento para responder à procura. Neste fim de mundo, nesta orelha arrebitada do país, onde tudo são miragens, rigores e maus feitios, qualquer coisa pouca pode fazer a diferença entre a ruína e o sucesso de um negócio, entre a parolice renegada e o lifestyle a qualquer preço. Ainda por cima esta gente é com cada carrão que cá aparece! Não é que isso o impressione, pelo contrário. É dono orgulhoso de uma lata que o leva ao Porto em pouco mais de duas horas e sempre em quinta. É aquele acolá, o vermelho. Pelo aspeto duvido, mas concedo. Gaspar empenha-se muito em mostrar simplicidade e desprendimento, só na hora em que aviso que estou de partida é que deixa a fanfarronice respirar um bocadinho: a minha filha, essa é que comprou uma bomba, venha cá, venha num instante ver.