10.6.21

Nunca, como na adolescência, temos tão lúcida e honesta noção da nossa esquizofrenia. Talvez o tempo passado no quarto, de portas fechadas, com o pensamento em remoinho, orelhas moucas a avisos e sermões, sob repetida acusação de egocentrismo e desleixo, talvez esse tempo permita alguma clarividência sobre a própria natureza. Nessa idade deve haver poucos que não se atordoem ao descobrir a quantidade de gente que lhes vai na alma: um que se esconde no fundo, outro que se aparenta para cumprir, outro ainda que chama em sonhos e sabe-se lá mais quantos a multiplicar por cada receio, vontade e convicção.
Diagnósticos com rede científica chamam a isto a busca pela identidade, condescendem e garantem que o tempo resolve ou ameniza, mas para mim tem outros nomes, todos sinónimos da condição humana e nem sequer passa, antes se calca, silencia, gere ou castiga, para que não venham acusar-nos de doideira. Chegando a adultos, adjetivamo-nos com uma confiança ridícula e vivemos a renegar o sarilho interior, convencendo os outros de que temos a nossa razão de ser e nela estamos sólidos e absolutamente genuínos, certos quanto à forma e ao feitio, seguros do que faríamos no lugar dos outros, ora essa, temos valores, jamais isso ou aquilo, sempre isto, sou uma pessoa que.
A inveja subterrânea que temos aos mais novos, muito mal disfarçada de descrédito e menosprezo, não é só pelo tempo que ainda têm por viver, mas porque lhes é desculpada toda a honestidade que em nós é censurada.