4.6.21

Bela é a imperatriz, que parece não conhecer a fadiga nem sucumbir ao desânimo. Qualquer coisa – ou a química ou o karma – a abençoa, mantendo-a longe do vórtice da infelicidade. Naquele corpo, que é sempre vestido de transparências, lenços e florinhas, encaixa o filho Joaquim como se ainda não tivesse acabado de o dar à luz. Sustenta-o no ilíaco, à maneira das mães de antigamente, e o menino abandona a cabeça no ombro dela e consola-se a jogar com aquela cabeleira de fogo, enrolando e desenrolando os deditos nos caracóis. And if you say run i'll run with you, and if you say hide we'll hide, because my love for you... vai ela cantando baixinho e Joaquim, que ainda é desajeitado na fala, corre atrás dos versos improvisando o idioma: aiuaiô aiu, aiuaiai uiaiiiii... 
Perguntaram-me se vai por diante a ideia de ambos irem definitivamente para Penedono, mas por enquanto nada sei. A pandemia trocou as voltas aos enredos de tantas vidas e eu ainda estou à nora, à espera que as minhas personagens larguem o casulo e deem sinais. De algumas ignoro o paradeiro e sobre outras tento agarrar o fio da meada, andando pelas ruas muito atenta, lendo os lábios e as entrelinhas da face, apanhando no ar as coisas ditas, imaginando daí as que se calam. Até pode dar-se o caso de a imperatriz e Joaquim viverem já em Penedono e estarem só de visita. Mas o que sei é apenas o que vejo e é igual ao que vi ontem e ao que, provavelmente, verei amanhã: a imperatriz e Joaquim descendo a rua na direção da casa dos Pereira, onde, sem esforço, só pela graça que têm, são responsáveis por olear todos os corações enguiçados.