11.6.21

Dona Maria Isabel vem poucas vezes a este blog. Há de ter mais que fazer do que enredar-se nas tramas do meu vulgar quotidiano e como é pouco faladora também não se põe a jeito. Mas hoje a cabeleireira viu-a passar e chamou-a ao barulho, curvando-se toda para lhe lamber os degraus académicos: 
– Há quanto tempo não dá um jeito às unhas, sotôra? Caramba, sotôra...
À dona Maria Isabel nunca falta aquela delicadeza própria dos que, embora sejam postos adiante, jamais se arrogam ou condenam os que ficam para trás, porque sabem que da mesma forma que nem sempre o êxito é questão de inteligência e esmero, também sucede a mediania e a estreiteza de vistas serem uma consequência mais de circunstâncias do que de escolhas. Então sorri como as mães usam sorrir, com ternura e infinita paciência, reconhecendo o quanto a cabeleireira merece que a vida lhe corra bem.
– No próximo fim de semana passo cá, minha querida.
A cabeleireira vai sacando do cigarro e do isqueiro e olha-a de alto a baixo.
– A pandemia envelheceu-nos a todas, mas a sotôra continua es-pe-ta-cul-lar! Dá nervos. Chegasse eu à sua idade nesse estado...
Dona Maria Isabel enrola os dedos nas contas do colar, sem pressa de responder. Não embarcará no facilitismo de uma gratidão sonsa e na vulgaridade da falsa modéstia. Nem será um elogio avulso e pouco original que a vai fazer ganhar o dia. A mulher que ainda antes da maioridade fugiu para casar e sobre o desgosto resultado levantou toda a sua magnificência, preferirá sempre o silêncio à ideia de abrir a boca para despachar. Jamais desconsidera a inteligência do outro supondo que o satisfará com pouco. Por isso se entendia tão bem com a antiga manicura, ambas disparavam para acertar, não porque fossem movidas por agressividade mas antes por uma visão amorosa do mundo, que é atenta às suas feridas e nelas derrama o que arde na esperança sincera de curar. E se a manicura aplicava o tratamento à mangueirada, dona Maria Isabel verte uma gota a espaços. 
– O que te envelhece não é a pandemia, minha querida.
A cabeleireira concorda sem pensar muito. 
– Tem razão, esta porcaria é que dá cabo de mim.
E com um gesto apaixonado, quase teatral, esmaga o cigarro que nem a meio vai, entra no salão a despedir-se:
– Quero vê-la aqui no fim de semana!