1.10.20

À porta da escola secundária por onde passo todos os dias a pé, vibram de novo as energias apaixonadas da adolescência. É a vida a tentar recompor-se, a sacudir a poeira da sua hibernação, a reacender os projetores, a desatar as engrenagens. Naquele formigueiro vejo acontecerem, nuns casos por descuido, noutros por vontade, todas as coisas que o pavor demonizou – beijos, abraços, sussurros, rodas de convívio – e alegro-me com isso, como se respirasse fundo ao vir à tona de um pesadelo. Mas logo me culpo pelos meus sentimentos e decido não conversar sobre isto com ninguém, sob pena de a censura popular, que é rígida no pensamento e rápida no gatilho, me acertar o passo. Que tristes nos tornamos. E pobre juventude, esta, que já não sabe o que dela se espera. Até agora criticados, desvalorizados na sua inteligência e sensatez por passarem demasiado tempo nos telemóveis, acusados de só investirem em vidas virtuais, escutando sermões sobre os convívios de antigamente. E veja-se a ironia do destino, o mistério das voltas do mundo: condenados de repente pelos hábitos justos, sãos, humanos, pela vida real que a sua natureza pede, que o corpo precisa, que a alma merece. Enfim, de uma forma ou de outra, ser-lhes-á imputada a culpa pelo fim do mundo. Por onde quer que sigam, seguem em contramão.