Na peixaria, Elisabete amanha dois robalos para levar à sôtora Lurdes que, por alegar ocupações muitas e diversas, pede a entrega das compras em casa sem acréscimo à fatura. Enquanto chafurda nas tripas, Elisabete conta histórias para entreter a freguesia, evitando que vão fornecer-se a outro lado pelo cansaço de esperar. Hoje é sobre uma vidente muito conhecida para os lados de Aldoar. Empossada da sabedoria de mundos paralelos e ocultos, cujas lógicas só uns poucos eleitos dominam, anunciou-lhe a vidente há mais de quinze anos que ela havia de morrer seca e veja-se como, apesar de vontades e esforços, Elisabete desconhece as graças da maternidade. Julguei que fosse a freguesia assustar-se, benzer-se, esconjurar demónios, mas antes noto entusiasmo para saber onde encontrar a vidente.
Ao ver-me, porém, Elisabete sobressalta-se como a criança apanhada a transgredir e sorri a desculpar-se. São coincidências e prontos, não é? A menina que estudou deve saber. Coincidências e prontos, repito com propriedade e um gesto brusco da mão. Ela ia gostar de saber que há muitos anos, a custo zero e por brincadeira, uma rapariga abriu-me a palma da mão e tudo o que nela leu trágica e rigorosamente se cumpriu num médio prazo. A única profecia que ainda tenho por comprovar é a de que terei uma vida longa. Aguardemos para ver. Se a rapariga apenas leu o que em mim já estava escrito de nascença ou se por dizê-lo em voz alta naquele mesmo instante o escreveu, não sei. Mas Elisabete e eu já decidimos que, de qualquer forma, são tudo acasos. Ela com os seus robalos, eu com os meus estudos, convergimos nisto e talvez no que ficamos a pensar e não dizemos.