1.7.20

Quem nunca viu desfeito no pó das ruínas o áureo esplendor de um palácio e não conhece pelo menos uma história de amor interrompida por uma traição? A quem nunca pareceu de repente nova a rua onde sempre morou, quem não experimentou a certeza de que o dia raia sempre loiro e dócil depois de uma noite de inferno e quem nunca viu medrar, em felicidade e plenitude, alguém que à nascença tenha sido condenado a uma vida breve? Ah, o mundo dá muitas voltas, tem reveses e avanços, e pode ser nessa banalidade que o Marco do ginásio busca consolo. Quando recebe, em golpes frios e fundos, a indiferença da rapariga da papelaria, talvez lamba as feridas investindo o pensamento no dia em que ela há de sucumbir, porque ninguém resiste tanto tempo entrincheirado. A dor, que para ela tem sido cruz e conforto, já mais do que desbotou como os trapos sem uso que só por hábito e apego conservamos. Mais cedo ou mais tarde, dar-lhe-á a fome ou a sede, a pele ressentir-se-á da falta de um arrepio e talvez então procure outro corpo, outro ninho, outra vida. Nesse dia, lá estará ele.