20.7.20

– Este jeitinho de perna é tal qual o meu filho.
Diz o senhor Pereira sobre Joaquim, que pela primeira vez caminha pelo próprio pé. O menino está cada vez mais boneco e cheio de graça, mas quem quer que nele tente ver sinais do pai continua a precisar ou de uma crença muito tola ou de detalhes que a olho nu são despercebidos. É tão saído à mãe que poderia ser obra exclusivamente sua, solitária e caprichosa. Tem dela o branco leitoso da pele, os olhos de verde aquático, tropical, os reflexos acobreados no cabelinho e até alguma altivez que faz com que pareça estar sempre a rir do que não é feito para tal e despreze aqueles que lhe dirigem macaquices. Não bastasse tudo isto, ainda recebeu o nome do avô materno. E o apelido Pereira foi acrescentado como se fosse um favor ou, enfim, algo a que era impossível fugir sem desencadear conflitos.
Joaquim podia até ser obra de outro homem, é certo, mas a imperatriz é uma rapariga inteligente dos pés à cabeça, que vantagem tiraria de inventar que o pai é este, um vai-se andandoquem sabe um diase calhar não vale a pena, medroso do mundo, incapaz de segurar uma rédea, com poiso preferido debaixo de saias de fêmea, sejam as da mãe ou de outra que lhe deixe a comida para aquecer? Se ao menos para sustento ou por herança ele fosse um pai conveniente, mas nem isso. Portanto, embora saibamos que a maternidade é um poder perigosíssimo, de enorme dimensão e longo alcance, cujas dádivas e manobras são as linhas com que se cose o mundo, certamente a imperatriz não faria uso dele para burlas ou diversões.
Em todo o caso, tenho para mim que o jeitinho de perna é apenas uma amorosa imaginação do senhor Pereira. Afinal, quantas farsas pode uma pessoa inventar, com quantas pode ser conivente durante dias, anos, décadas, só para evitar o sentimento de fracasso e salvar a sua trabalhosa dignidade?