De há uns tempos para cá, vivem num estranho sossego as três flores que sobraram das que Isabela deu ao mundo. Não se alteram em aspeto, cor ou textura, passando bem por uma dessas quinquilharias chinesas de plástico que mantêm as casas floridas em troca do afago de um espanador. Ora, é dos livros – e da vida – que as grandes tragédias são precedidas de uma tranquilidade assim, uma quase suspensão da vida e dos seus rumores, uma espécie de abafo surdo que anestesia e desarma os espíritos, assim os apanhando mais vulneráveis. Alguns dos que na vida buscam estabilidade sabem disso, ou mais tarde acabam por descobrir: sob tudo o que está demasiado quieto há sempre matéria viva a laborar, incandescências e forças em tão delicado equilíbrio que ao mínimo ajuste ou à mais ténue brisa, rasga-se um abismo. Por isso, e dada a minha triste experiência com orquídeas, sempre tomadas de exageros e com uma evidente falta de domínio das próprias emoções, tenho para mim que devo estar atenta. À partida, Isabela parece ter ganas de viver e mais agora que está ladeada por duas plantas de viril constituição, a quem dei a responsabilidade de filtrar a luz que em doses tremendas, às vezes dolorosas, entra cá em casa. Mas, ainda que as três flores estejam bem e que a perda das outras dez pareça não ter rasurado o amor-próprio de Isabela, vasculho amiúde as raízes e o ninho das folhas, junto ao caule, onde nas orquídeas acontece fermentar a podridão. É que nas dosagens sadias de vaidade é difícil acertar. E embora haja motivos para crer que quanto maior é a ostentação mais negros são os fantasmas, não é linear a validade do oposto.