Às vezes, porque um gatilho disparasse a propósito de qualquer coisa, ele dizia ocorreu-me aqui uma ideia e enquanto compunha mentalmente o que poderia vir a ser, sei lá, um verso, um parágrafo, um livro inteiro, a boca dele produzia um estalido contínuo, espécie de coaxada de anfíbio, e o queixo movimentava-se vagarosamente de um lado para o outro como as ancas de uma leoa. O mais provável era que dali viesse alguma magnificência, mas aquele parto repugnava. Fora isso – que com boa vontade até se ignorava – era um homem subserviente e ganancioso, não dava ponto sem nó nem beijo sem trinta dinheiros. Porém, tudo o que escrevia exalava uma ternura lúcida pelo mundo e a sua reinterpretação das debilidades humanas, em palavras, comovia e convidava.
São muitas e compreensíveis as ilusões alimentadas acerca de quem escreve, num instante se cai no erro de imaginar na pessoa o encanto que há na coisa por ela escrita. Mas o criador nunca é tão belo como a criação, nem se lhe compara em méritos e virtudes. Só o Pedro Chagas Freitas é melhor do que a sua obra. Vi-o uma vez no ikea, passeando o filho bebé enquanto a mulher apalpava tapetes. Tinha um ar luminoso, sólido, genuinamente feliz e eu espantei-me tanto a olhar que ele me sorriu. Percebeu, talvez com alívio, que jamais lhe pediria um livro autografado.