24.7.20

Acocorado na soleira, na avenida mais movimentada do subúrbio, um velho macilento cata porcarias a um gato de cinza puro, aveludado. Meigo como por interesse os gatos são, este aquieta-se e fecha os olhos para o gozo pleno daqueles cuidados. Se fosse gente, teria de pagar por um mimo que se equiparasse, mas vir ao mundo como gato é outra sorte. Verdade que não é remunerado pelo serviço de apoio permanente à solidão dos humanos, pelos favores prestados para os distrair das ausências maiores, nem sequer pela condescendência com que se dá ao estrelato nas redes sociais e às judiarias de canalha habituada a reinar. Mas ao menos pode ser preguiçoso sem imposto e andar pelos telhados sem viatura própria e acasalar sem hipoteca nem comunhão de adquiridos. Já o velho, outra história. Provavelmente empregado, contribuinte, marido, cumpridor, consumidor, pagador, adepto, proprietário, e ainda assim ninguém que agora lhe cate a ele as porcarias com ternura.