Na papelaria comentam-se os amores e desamores das revistas cor-de-rosa, as paixões súbitas, os casamentos desfeitos, as trocas e traições. Entristecida, a rapariga abana a cabeça. Despreza essa realidade cujos brilhos mal escondem os dissabores e as desgraças, diz que o amor verdadeiro não é aquilo, é uma coisa para sempre, capaz de vencer os enguiços criados pelas rotinas da fama, as ausências prolongadas, até certos vícios e erros que o mundo não perdoa. O seu romantismo seria inofensivo e até gracioso se as velhas, que raspam sôfregas os cartões da fortuna, não lhe dessem um acabamento embrutecido com os clichés que aprenderam das suas mães, por sua vez aprendidos das avós e por ai adiante: que o segredo do amor eterno está nas cedências, na adaptação, em ir mudando para fazer feliz o outro. A rapariga indigna-se, arregala o olho, levanta o queixo, apruma o indicador, era o que mais faltava, quem me ama é como eu sou, não quer que eu seja antes assim ou assado, que me pareça com esta ou faça como aquela!
A mãe estava até agora calada, encolhida junto à fotocopiadora, a limpar-lhe manchinhas e poeiras com um modo distraído, de quem anda longe ou prepara alguma. Mas por qualquer razão que ao entendimento geral escapa, vemo-la de repente enfunar-se e, muito crua, muito fria, como se em inimiga da filha incarnasse ou quisesse ajustar contas muito antigas:
– Ai é? Então diz-me lá quem é que te ama?
Sorte a minha, que já tenho o troco, saio e livro-me de ver o coração da rapariga da papelaria sangrar em ferida aberta pela própria mãe.