12.5.20

Talvez porque eu tenha merecido, agindo com paciência e resignação, aceitando as nossas diferenças, relevando o que jamais devia ter condenado, a minha orquídea abriu-me finalmente três braços carregadinhos de pétalas brancas, aveludadas como pele de bebé. Para premiá-la, levei-a mais uma vez à janela e tirei-lhe o retrato, fazendo assim prova da sua abundância e autorizando-a seduzir quem andasse de passeio pela rua. Mas com o tempo de cara tão feia, o dorso da serra desaparecido atrás das nuvens, as folhas das árvores a suspirarem ao vento pela demora da primavera, as ruas tristonhas e o mundo cheio de preocupações, nada nem ninguém pareceu dispor-se a adorar beldades desabrochadas em ambiente doméstico, entre o calor humano, ignorantes das agruras da vida, sem mossas ou traumas na sua delicadeza. 
Depois do retrato, devolvi-a ao lugar do costume, que é no chão, à sombra de uma areca, ao lado de uma estante. Reconheço ser injusto da minha parte encafuar uma orquídea a pretexto de um castigo sobre a estupidez de outra, que – não me canso de repetir – morreu babadinha por um gato vadio. Mas compenso de outro modo. Por ter restaurado a minha fé na boa vontade das orquídeas, que eu julgava viverem para exclusiva satisfação dos próprios caprichos, merece a maior das honras: ser nomeada. Isabela.