Devem ter posto a viúva no mundo para o entortar. Sinto que quando passa, tudo desliza atrás dela e a rua descai com o peso. Olhos, cobiças, invejas, desejos, maledicências, piropos, salamaleques e o mais que ali andar agarra-se ao corpo dela, àquele busto muito, muito cheio de dignidade e à cabeleira negra – pintada, é certo, mas de um negro que reluz e dá vertigens. Bem se vê que não teve filhos. É firme e lisinha, salvo onde a natureza ordenou que se arredondassem as fêmeas para fins de procriação e deleites vários. O senhor Pereira, fantasiando com a ideia de que ela possa ter recuperado a virgindade, continua a retirar desta visão boa parte do seu sustento. Mas não é o único. Muitos outros matam a fome comendo-lhe as pernas com os olhos e enterram a imaginação entre aquele par de nádegas, cuja generosidade não tem fim. Quando chega ao fundo da rua, a viúva é um íman com a realidade toda atrás e o mundo inclina-se como no princípio de um naufrágio.