O que verdadeiramente desgosta o senhor Pereira é que o neto tenha sido nomeado como um lavrador. A Joaquim, diz, falta nobreza e estilo, há de trazer sempre à lembrança a ideia de couves, galochas, tratores, bosta de vaca, se me desculpa a indelicadeza da linguagem. Está acocorado junto do mercedes e tira as medidas ao risco que descobriu ainda agora na lateral traseira, perto da roda. E se dá na cabeça de alguém chamar-lhe Quim? Ou Quinzinho? Nem pense nisso, sou eu a tranquilizar o senhor Pereira, que leva o dedo indicador à língua e, com uma entrega comovente, quase terna, tenta devolver a perfeição à chapa metalizada do automóvel. Garanto-lhe: na zona da cidade onde são arquitetadas as regras da boa figura que, por imitação, vão alastrando até à ala oriental e aos subúrbios, têm nascido Joaquins. E nos colégios que monopolizam o topo dos rankings há cada vez mais assim chamados. Alguns brilham no quadro de honra, não só pela prova quantificada dos seus dotes intelectuais como pela obediência. Dê-lhes tempo, senhor Pereira, e os Joaquins hão de substituir a dinastia de salvadores e santiagos que destronaram a dos lourenços e bernardos, depois de estes terem acabado com a dos martins e tomás, esses implacáveis exterminadores de afonsos. Ele não me ouve. Esfrega ainda, e cada vez mais freneticamente, o risco na pintura. Com o esforço posto no vaivém do dedo, as feições dele crispam-se e os modos exaltam-se, até lhe sai um palavrão sem se dar conta nem pedir as desculpas de costume. Mas um risco destes não é coisa que se limpe ou disfarce com saliva. Uma aparência impecável exige um investimento muito mais trabalhoso.