Ah, o que fizeram ao Poeta – viraram-no do avesso, arrancaram-lhe as vísceras, espremeram-nas, cozinharam-nas para enchidos e petiscos que vendem no mercado com selo de garantia de origem. Não sendo o Poeta em si, sempre é qualquer coisa de poeta, já moída, condimentada, de fácil digestão, servida de palito ou com enfeite. Cebolada de maus fígados de poeta. Coração quebrado de poeta em azeite virgem. Nervos de poeta salteados em lume forte. Assim se consolam os glutões e os apressados, enchendo num instante a boca com o Poeta, acumulando estrofes na bochecha para debitar a propósito. E assim se nutrem os anoréticos que, nada seduzidos pelo gosto do Poeta, podem fazer de conta que deveras apreciam debicando alguns versinhos em convívios. Uns e outros, pelo meio, também engolem apócrifos sem darem por ela.