18.1.20

O dia em que percebi que a infância do mais velho tinha ficado para trás, lembro-o pelo que me doeu. Não foi quando me ultrapassou em tamanho, nem na hora em que levantou o queixo a perguntar se também podia beber uma cerveja e tampouco quando me disse, cheio de cuidado, mau era se eu pensasse apenas conforme o que me ensinaste. Foi no dia em que decidiu mudar o quarto e desprezou, arrumando em caixas de tampa rija, todas as miudezas passadas, ternuras, cartas, bilhetes, mimos, fotografias, projetos, pinturas. Ficou a cama, a escrivaninha, um relógio, um candeeiro, quatro paredes nuas. Parecia o quarto de alguém que houvesse morrido e era-o, de certa forma. Imaginei que, dali em diante, naquele quarto habitaria uma indefinição, um rebelde, um sonhador, um poeta de escárnio, um aventureiro, um desesperançado, um romântico, um cavaleiro, um conquistador, um desnorteado, um teimoso, um indiferente, um bailarino, um companheiro, um estranho, um vaidoso, um desleixado. E perguntei-me quantos anos ainda teria de esperar até que daí nascesse um Homem.