Na flor da adolescência, as meninas exemplares tornaram-se o entretenimento favorito da avó e isso não é coisa que incomode as mães, já que as despesas e os tempos livres ficam, em boa parte, assegurados. Estão sentadas ambas no degrau da soleira, como bonecas de enfeitar. Têm um rosto fácil, de desenho regular, sem incidentes, o cabelo alinhado pela moda, liso até ao meio das costas, e um olhar distraído do mundo que se assemelha ao dos consumidores de opiáceos e faz desconfiar que talvez toda a matéria seja transparente ou inventada. Desde crianças, parecem-me frutos de um trabalho inacabado, de uma cópula que, por ausência de ânimo e sangue, tivesse ficado aquém do êxtase. Carecem de luz própria, falta-lhes o ímpeto apaixonado da idade, que conduz à insubordinação, à poesia, à experiência das margens e, no meu caso, também a uma série de projetos revolucionários rascunhados na quadrícula apertada dos cadernos de matemática que, graças aos deuses protetores do devaneio, os olhos da minha mãe não vigiavam.
O propósito da educação que recebem é manter quentinho o coração dos pais e bem posicionada a sua aparência. É uma educação estéril e medrosa, que a cada passo busca encaixar-se nas deficiências do mundo, já que o trabalho de as transformar jamais seria remunerado à altura dos vícios e caprichos com que a avó as alimenta. Se, a par disso, perseverar a dominância genética dos Pereira, nada se produzirá nelas além da vulgaridade e, ainda que cheguem — porque é muito provável que cheguem — aos lugares confortáveis das hierarquias, e que um dia possam exibir na matéria o resultado de suados esforços do espírito, continuarão a sofrer de falta de rasgo, vocabulário raso e imaginação flácida.
Se for verdade que todos os avanços do mundo se devem à insensatez e à curiosidade, as meninas exemplares cá estarão para cristalizá-lo no inferno que sabemos.