11.9.25

 — Uma pessoa não vai pra mais nova...
Ao lamento da mãe da rapariga da papelaria, dorida na curva do lombo como se — em palavras suas — um cão lhe cravasse os dentes, a cabeleireira acode com sabedoria aprendida a influencers graduados nas praias de Bali:
 Ora essa, dona Fatinha, uma pessoa vai para onde quiser. A idade está na cabeça. É aquilo a que se chama uma crença limitante.
Pela primeira vez, dona Fatinha, mãe de uma rapariga que só lhe dá desgostos, avó de uma catraia que ameaça despertar precocemente para a adolescência e multiplicar-lhe as consumições (disto contaremos em outra ocasião), mulher de coração governado por temores, de alegrias poucas e provisórias, tão poupada na ternura e cautelosa na esperança, toda entrincheirada nas malhinhas escuras da sua viuvez, dona Fatinha levanta o queixo, afia o olhar e apropria-se da razão:
 Isso tem algum jeito? Uma pessoa vai para onde pode e quando pode. E consigo não é diferente.
Mas a cabeleireira, que padece de certas formas modernas de cegueira e surdez, já vai lançada no sermão e segura da verdade. Ninguém a para, tem um rol de banalidades para desfiar. E, com uma arrogância bacoca, apregoa a poesia da maturidade, as "crenças limitantes" associadas ao envelhecimento, embora ela própria não consiga evitar pintar os cabelos, tenha desbotada lembrança da última noite de amor sôfrega, urgente e tumultuosa e o seu lábio tenha azedado por falta de beijo e mordida.
Dona Fatinha presta-se pouco a lirismos, já sabemos. Ganhou-lhes imunidade pela frequência do contacto, culpa da filha tonta que tem. E, de resto, não deve nada a ninguém, nem sequer boas maneiras. Entrega à cabeleireira o maço de cigarros pedido, faz o troco e um disparo seco:
 A idade está na cabeça, mas olhe que a burrice também.