24.4.25

O meu menino com cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno, que é amante de todas as coisas anteriores ao tempo dele, canta no duche, com um furor desproporcionado, yes, there were times, I'm sure you knew, when I bit off more than I could chew. Esta noite sairá, pela primeira vez, por sua conta e risco. O rapaz voador ajuda-o a arranjar-se, cede-lhe uma camisa, explica-lhe que botões pode desapertar, até onde fica bem dobrar as mangas, diz-lhe que não pouse jamais o copo, ignore provocações, proteja o cartão de cidadão e, enfim, divirta-se. Depois manda-lhe que desfile para mim. 
Mãe, aprecia o teu menino, que vai conquistar a liberdade.
Quem é este, pergunto, e foge-me o chão debaixo dos pés. Com os meus olhos de mãe, que são olhos de vigília e invenção, busco nele vestígios de candura, mas é tão tarde... A infância já vai longe. As feições de querubim, os cachinhos do cabelo, o aroma do vento na nuca, tudo agora à mercê da memória, esse lugar que a fantasia gosta de corromper com um ou outro delírio e por isso nunca é absolutamente certo nem seguro. Está a um passo breve, atabalhoado, indeciso, do homem que será. Às pressas, deito a mão a uma cebola, aplico-lhe um golpe bruto e pico-a miúda para chorar sem levantar suspeitas.