Déjà vu. O meu vizinho no elevador, a pôr travão às portas com a perna estendida e a ver se embarco ou fico em terra, onde é sabido que os meus pezinhos assentam muito bem.
– Podemos subir juntos...
O sorriso é do bom e do melhor que lhe vi nestes últimos tempos de silêncio e casmurrice conjugal. Mas não se estranhe, já é hábito quando anda desacompanhado da mulher. Os homens enredados em casamentos falidos alegram-se como gaiatos púberes quando estão por sua conta. Tornam-se perigosos. A miséria do quotidiano enche-os de ganas de emoção e por coisa pouca ou nenhuma agarram-se a um devaneio, buscam um êxtase, alimentam uma fantasia. Como as borboletas noturnas em redor das luminescências de estio, que embora intensas são transitórias. Já as mulheres devotam-se aos filhos quando o casamento ameaça ruína, ocupam-se de os mimar, às vezes de os controlar, e nesse encargo, que absorve e empenha o coração por todo, dissolvem o fel do desamor e obtêm a gratificação de uma vida confiada a outra. Mas a seu modo, um e outro fazem de conta para evitar vergonhas ou para não melindrar os frágeis humores da descendência ou só porque qualquer coisa aparenta ser melhor do que uma casa vazia e a estaca zero. Pouco lhes importa o quanto paguem em acusações, mentiras, traições, remorso e más palavras. De resto, também a arte do fingimento se aperfeiçoa com o tempo, cresça o tumor à vontade desde que ninguém o veja.
Não, não podemos subir juntos. Talvez eu tenha esquecido um saco de compras no carro e precise de voltar para trás, vá subindo, vá subindo, que um homem bonito e infeliz é quase sempre uma trapaça.