21.9.21

Ao fim da tarde, depois do trabalho, pego na bicicleta e vou pela beira do rio a fazer de conta que a minha vida é ligeira e fotogénica como a das mulheres dos anúncios que pedalam no meio das searas de chapéu de palha. Comigo vai apenas o rapaz voador porque o menino com cabelos de oiro velho e olhos de mar de inverno, esse agora usa uns modos novos de estar, costurados com voz grossa, encorpados com ganas de distância e independência. Ultrapassou-me em altura e fez-se uma cópia tão exata do pai que me sobressalto se o vejo, em reflexos de espelhos ou janelas, aproximar-se, rodear-me a cintura, deixar-me um beijo doce na nuca. É hora de o deixar ir e ser o que é, mais o que pensa ser e o que sonha que será. Deixá-lo ir porque voltará na hora justa, de livre vontade, depois de cumprir a grande transformação, visitar as sombras do seu ego, desatar o sarilho de desejos, espreitar a beira dos precipícios, exagerar na vergonha e no orgulho. O rapaz voador também voltou, leal e corajoso, com uma carga de coisas novas que eu não saberia ensinar e agora pedala comigo na beira do rio como se nunca tivesse chegado a ir. 
Essa turba de mães que ocupam os escaparates das livrarias com diários sobre as zonas negras da maternidade e que são elogiadas pela coragem de dizer a verdade - pouco mais fazendo do que imitar-se umas às outras em formato, estilo e ladainha - debruçam-se muito sobre a primeira infância, mas nunca vi nenhuma que fizesse graçolas sobre o que sente a respeito dos seus adolescentes. É a perda do poder absoluto que cala essas mães. Dramatizam histórias vulgares e fazem auto-análise à custa do dia-a-dia dos inocentes ranhosos que, por mais que berrem e deem más noites, acabam subjugados à sua autoridade. Mas a partir dos doze anos só falam das suas performances escolares e dos seus talentos ou condenam-nos pelos feitios insolentes, atrevidos, desorganizados. Nenhuma confessa a melancolia que fica quando a ternura começa a esbater-se, quando o corpo nos transborda do colo, nenhuma consente que o pavor de os sentir largar a nossa mão faz de tudo o que está para trás uma brincadeira de principiante, um passatempo, uma delícia sonolenta, cor-de-rosa e perfumada.