12.3.21

Esta gente portou-se muito mal, não há dúvida que isto é um país de ignorantes, diz o senhor Pereira na fila do pão quente, com aquela lendária dignidade que faz crescer o peito do roto quando supõe falar ao nu. Há muito que o não via e, confesso, não sei se me desconcerta ou alivia que esteja igual. Se não é a imperatriz são as filhas, se não são as filhas são os vizinhos e se não os vizinhos então Portugal inteiro, todos incapazes, a precisar de autoridade, pai, marido, dono, rédea curta, reprimenda. Enfim, continua a fazer parte da mais ruidosa e cansativa subespécie de cobardes  os moralistas. Investe tempos livres a ensaiar sermões depois de ruminar, de costas repousadas na poltrona, o que de bandeja e cortadinho em pedaços lhe é servido nos parlatórios televisivos. Pobre senhor Pereira, sempre com o pensamento à trela pelo pulso de outrem e no entanto fala com a propriedade de quem tivesse sido convidado a subir ao palanque. Diante daquela plateia de braços cruzados e olhos ainda mal abertos, que aguarda vez para levar o pão, o senhor Pereira vai dizendo como foi, como devia ter sido e como doravante era bom que fosse. Por fim, dando como perdida a causa, remata: é o país que temos. E porque mais lá atrás na fila alguém se entusiasma  agora é que o senhor disse tudo  ele incha, acreditando que foi chave de ouro o que não passou de bijuteria embaçada e fora de moda.