O meu vizinho comprou um SUV castanho dourado, igual ao da viúva, e estaciona-o com uma destreza performática ao lado da minha carroça. Antes de abrir a porta e sair olha-me daquela sua nova elevação, sabe-se lá com que sacrifício ou crédito atingida, e faz uma vénia ligeira. Reconheço-lhe a boa figura, embora note o quanto ensaia para se ajustar, receando descoser-se e deixar às escancaras um avesso indigno de conduzir tal máquina. Ah, um homem pode ser dono de defeitos vários, mais ou menos censurados, mais ou menos consentidos, mas ninguém lhe aponte desleixo na compostura ao volante do automóvel que merece.
Já em casa, a salvo do meu olhar desconfiado mas não dos meus ouvidos, tenta impor disciplina ao diabrete que concebeu mas sobre o qual não tem qualquer autoridade. Descontrolado e inútil, tão oposto à figura exibida na garagem! Vou contar até três para te calares. Um.... estou a avisar... dois... vou-te pôr esse rabo a arder... três! Mas o diabrete já sabe que o pai é cão que ladra sem morder e a ameaça dá-lhe ainda mais fôlego para o berreiro. A mulher, alertando para o óbvio: tu não vês que o teu filho nem sequer acredita em ti?
Além do SUV castanho dourado, não há nada que o meu vizinho saiba conduzir.