19.11.20

A dignidade da viúva é indestrutível. Ninguém pode apontar-lhe má intenção ou maledicência. Nunca foi vista a vender-se ou a dobrar-se, menos ainda a ser pisada. Não consta que tenha agredido, roubado ou ofendido. É imune à tentação do cochicho, evita as horas de ponta no pão quente, ri de si mesma quando o vento lhe desarruma a minissaia. Claro que pode haver quem veja defeito gravíssimo na sua excentricidade ou no gozo evidente que tem em olear a libido da vizinhança adormecida, mas isso, enfim, é a esmola que ela dá ao falatório de vão de escada, que com pouco sobrevive.
Por mais que sonhe ou imite, a mulher do senhor Pereira jamais poderá igualá-la. O alarde que faz das suas vantagens e virtudes é demasiado para fazer crer que tem uma consciência sólida. Porém, se entre ambas se travasse uma batalha pela simpatia do mundo, ganharia. A gente dá sempre a vitória àqueles que não inveja. Ao pobre, ao aleijão, ao enlutado, à mulher estúpida que deu todos os seus valores à troca por um casamento e acabou traída, cedemos de boa vontade o elogio e o pedestal sem nos roermos. E até dormimos melhor.