Como a generalidade dos homens da sua geração, o senhor Pereira trata as próprias dores com mão firme, mordaça e perpétua clausura. Isso explica o ar ligeiro, quase feliz, com que apareceu no pão quente para comprar uma roca. Só de olhar, ninguém diria: a sua mãe ainda agora morta, o seu casamento um moribundo de plumas, as filhas sempre amuadas, o filho uma pasta de gente amorfa cuja única grande realização – Joaquim – foi por acidente, a imperatriz a preparar-lhe o mais duro de todos os golpes. Mas a farsa é uma arte aplicada com muito brio ao sentimento familiar, nenhum outro teatro se lhe assemelha em magnificência e duração. Uma família pode manter-se anos e anos em palco, brilhando nos papéis atribuídos, sem hesitar numa deixa ou tropeçar nas pontas soltas da vestimenta. Enterra os seus cadáveres com vergonhas e passados inconvenientes, tudo junto e embrulhado em arranjos florais, e vai acenando, à boca de cena, como se nada fora. Tantas são as mágoas que podem atormentar um ser humano comum e, de todas, a que mais o envergonha é a deriva da sua família, o fracasso do seu ideal.