18.9.20

Sonhei que uma ninhada de ratos passeava livremente sobre a nudez de uma bela rapariga holandesa. Fosse viva, a minha avó levantaria o sobrolho e andaria pela casa a arrastar os chinelos e a dar corda ao pensamento, perguntando-se de quem seria a gravidez encoberta. Era o que dizia o senso popular ou talvez Freud – e hoje em dia provavelmente também o google: sonhar com ratos prenuncia a chegada de um bebé. E essa hipótese intrigá-la-ia ao ponto de desvalorizar a quase obscenidade que o meu cérebro marinara nos braços de Morfeu. A verdade é que todos os que sonham, sonham disparates, impossibilidades, absurdos, e muito pouco do que se sonha é confessável. A melhor forma de dignificar um sonho ou de evitar que ele me faça cair no ridículo, é escrevê-lo como se fosse uma coisa séria. É questão de lhe retirar cuidadosamente as incongruências como as espinhas ao peixe, de modo a deixar o filete intacto e ainda apetecível. 
Medonho, isso sim, é o sonho coerente, o que avança pela noite com a lógica e o alfabeto das coisas reais. Uma vez, por exemplo, matei um homem para proteger a minha irmã. Usei um punhal e matei-o de frente, olhos nos olhos. Lembro nitidamente a sensação, lembro todas as consistências e temperaturas, a força que fiz, a resistência da carne, o jorro morno de sangue, a meia volta que dei à lâmina, primeiro num sentido, depois no outro. Nada me custou ou doeu pois tinha o pensamento na salvação da minha irmã. Andei durante semanas a cismar na frieza quase profissional com que castiguei o malfeitor, perguntando-me como pode uma alma pacífica e sem cadastro praticar enquanto dorme um crime assim, sem pena nem hesitações.