Debruçado sobre o lago, Narciso estende já os beiços para a superfície da água, não sem antes me sondar com o movimento mal disfarçado da sua íris habituada a atrair borboletas. Quer ter a certeza de que tenho os olhos postos nele e julga até que à beira me deitei com o único propósito de o desejar. Inclina-se mais um pouco, arrasta o corpo no chão para evitar o desequilíbrio e a fatalidade, está seguro de que ao beijar-se despertará em mim vontade de fazer parte, como se a ideia do trio – ele, eu e ele – me pudesse excitar. Com efeito, cai-me o queixo, mas não de encanto. Repugna-me antes a sua postura de rafeiro subjugado, a vulnerabilidade exposta das nádegas, o sexo enterrado no húmus. Aviso que me vou aproximar, Narciso vaza o triunfo na forma de um riso breve, mas – oh, desastrada! – caio na água com estrondo e a figura dele desmembra-se na ondulação quase tão depressa como nos meus planos.