Nomear a orquídea foi quanto bastou para atrair a má sorte. Nada eleva tanto quanto a atribuição de um nome, é um gesto a favor da singularidade e contra o esquecimento. Além disso, com um nome pode viver-se uma história e Isabela também reclamou a sua. Mas, mais sensata do que a antecessora, não chamou a si a desgraça atirando-se de corola aberta ao primeiro que lhe exibiu artes de caçador. Outro caminho que não o da entrega irrefletida levou Isabela a experimentar a perda e a desolação.
Foi dito e mostrado aqui o esplendor em que se encontrava, atingindo em beleza e graciosidade um nível que a outra nem sonhou. E não se ficou pelo que viram. Isabela floriu com tal exuberância que a certa altura havia nos seus braços escancarados nem mais nem menos do que treze corolas, todas desenhadas com igual rigor e revelando ao toque a mesma macieza e aparentando a mesma candura. Ao chegar a este estado apesar dos meus descuidos e da minha indiferença, Isabela mostrou ter fibra e provou não serem disparatadas de todo essas máximas da autoajuda que apregoam a suficiência do amor-próprio na construção do sucesso.
É sabido, porém, que qualquer virtude está sempre encostada à raia de um terrível defeito e que basta uma distração, um exagero, um deslumbramento, para que tudo vire o seu oposto, tal como a sobredosagem transforma em veneno o mais inofensivo dos remédios. Assim creio que terá acontecido a Isabela. Se o amor por si mesma primeiro lhe garantiu a sobrevivência, depois cresceu ao ponto de se transformar em vaidade. E quanto mais vaidosa, mais na sua beleza investiu, fazendo brotar novas flores, jamais satisfeita com as que já tinha. Sob o peso de tamanha florescência, duas das três hastes foram vergando, vergando, vergando, até que um dia quebraram definitivamente, deixando Isabela reduzida à haste principal, numa beleza minimalista que, depois de tanta opulência, até parece miséria. Em números – para quem assim prefere medir a amplitude das desgraças – traduz-se a coisa em dez corolas caídas no chão da minha sala e três sobreviventes e viçosas, na haste de origem.
Tentei salvar as hastes quebradas enterrando-as diretamente no vaso, com esperança de que elas larguem a firmar raízes na busca instintiva de alimento. É isso que hoje mostro, para que se testemunhe não só a abundância de flores que Isabela deu ao mundo como também o meu esforço em recuperá-las. E fica claro que embora eu me preste muito a fantasiar sentimentos, tenho realidade que baste para não ter de aldrabar nos factos.
Sei que devia ter educado o crescimento de Isabela com a ciência disponível no google. Por isso também desta vez vou chafurdar na culpa, banhar-me na sua lama agridoce e reservar para mim mesma as mais cruéis palavras de desprezo. E assim, caso alguém pretenda censurar-me, saiba que já vem tarde.