Se consideramos que os Homens bons podem ter grumos no caráter, porque não havemos de considerar também nos perversos um coração disposto à ternura e capaz de gestos de valor, ou que ambos sejam duas faces de uma só moeda, dois rostos do mesmo Homem? Quem inventou para o mundo esta divisão entre corruptos e inocentes, fracos e fortes, ladrões e honestos, traidores e leais, adúlteros e fiéis, doentes e lúcidos, que de forma tão básica e fútil compõe o nosso senso de justiça quotidiano? E esta veia que apurámos ao longo dos tempos e começamos a praticar com os próprios filhos assim que nascem, que reside na atribuição de castigo para uns e recompensa para outros, terá sentido algum se for sempre julgada a parte pelo todo e se em quem julga coabitam igualmente as duas faces? E de que aflições sofrem esses que por tudo e por nada se lançam a apregoar a própria moral dizendo eu seria incapaz de tal coisa, como se quem quer que seja algum dia desta vida chegasse a saber ao certo tudo aquilo de que é capaz?