Esta noite vi-me no caos da sala de espera de um hospital, mas por nada sequer parecido com o que agora agita o mundo. Fui fazer um exame de diagnóstico para confirmação de uma suspeita terrível, capaz de me reduzir a cadáver em meia dúzia de meses. Durante a espera imaginei, até quase me falharem os sentidos, o horror que viveria nas horas seguintes e do qual já previamente me informara: uma pinça de grandes dimensões seria introduzida pela minha boca de modo a arrancar-me pedaços de tecido da laringe a sangue frio. Para me tranquilizar não contaria senão com a delicadeza e a benevolência do médico responsável. Pouco antes do exame fui ao bar pedir qualquer coisa doce que me devolvesse os sentidos e a presença de espírito, porque nem a respirar conforme o ensinamento dos antigos me livrara da sensação de pânico. A senhora que servia torradas e galões ao balcão, de avental e mãos sapudas, oleosas e rosadas, negou-se a vender-me o que quer que fosse. Com o argumento de que era chegada a minha vez, despachou-me para dentro da sala de exames, trocou o avental por uma bata, calçou as luvas e tirou a pinça gigante da gaveta.
Acordei em sobressalto, precisamente à hora em que a angústia costuma sair da toca com as garras todas de fora para mostrar o negro pavor de existir aos espíritos insones. E foi difícil afugentar a ideia de que um perigo marinava em silêncio na minha garganta.