Espera. Deixa-me acabar. Tu não me deixas falar, caramba!
É o meu vizinho para a mulher, exasperado. Ninguém previu este inferno na assinatura do contrato. Era na saúde e na doença, sim, mas sem contar que havia de dar-se a pandemia e teriam de se bastar confinados aos metros quadrados que sonharam juntos, sem paliativos ou saídas de emergência. O amor cura tudo, hão de ter ouvido. Mas se adoece ele, de onde vem a cura ninguém revelou. Antes, ainda se consolavam a cada quinze dias, ela a gemer monocórdica, ele a resfolegar na escalada até se dar como morto com um risinho asténico, púbere. Agora, assim que adormecem a criatura, lavam a roupa suja mas como não se deixam falar e urge sempre a razão de um sobre a do outro, ao fim de algum tempo entregam ao silêncio a tarefa de desenlaçar o conflito. Fraca estratégia. Acabarão por tornar-se um casal vulgar, com flores na entrada da casa e mofo nas pregas dos lençóis.