28.2.20

Bastou-me enfiar uma vez as minhas mãos entre as de Gabi, a nova manicura, para concluir que não chega aos calcanhares da outra. Uma vez não são vezes, é certo, e também sei que a precipitação embota qualquer juízo, mas a verdade é que quem lembra a antiga manicura concordará que este é um daqueles casos em que é muito difícil haver rei posto à altura do rei morto. E nem é de unhas que falo. Esperta e atrevida, essa rapariga que agora, espero eu, brilha e faz brilhar num salão do centro da cidade, não falhava um tiro. E da ironia das suas balas as senhoras mal podiam defender-se, não só pela precisão do disparo mas também, e sobretudo, por remexerem naquelas inconveniências que o pudor prefere manter enterradas ou em fundos falsos dos armários. Porém, embora desbocada e até um pouco caprichosa, tinha um coração nobre e um delicioso à vontade nos assuntos do amor, sobre o qual todos alvitram mesmo que apenas tenham experimentado versões fajutas.
Aparentemente, o mundo está mais tranquilo com Gabi, que nos modos é contida e no vestir anda muito longe da ousadia e do espalhafato da sua antecessora. Como fala baixinho, as senhoras não receiam o troar de verdades chocantes a lembrar que o pior cego é aquele que não quer ver. Também o facto de a cabeça lhe pender constantemente para baixo lhe dá um ar humilde, quase submisso e muitas vezes tristonho, a pedir piedade e festinhas, ao invés da outra, cujo queixo levantava acima do que as senhoras consideravam razoável para a sua condição de empregada de cabeleireiro (mudam-se os tempos, mas - perdoe-me o poeta - as vontades e o ser não acompanham). Há, então, um clima de satisfação geral no salão e a engrenagem funciona agora de modo silencioso mas bem oleada: Gabi confidencia baixinho, a uma senhora de cada vez, que novidades lhe constaram a respeito das outras, enquanto vai e vem com a lima. Encantadas com o que daquela boquinha doce retiram de pormenores sobre o alheio, as senhoras até esquecem o óbvio: que nas costas dos outros vemos as nossas. Assim Gabi vai sabendo e contando e contando e sabendo, com a mesma paciência que usa para amaciar cutículas e passar vernizes. E quem entra agora no salão já só ouve o ronco dos secadores e o folhear distraído das revistas cor-de-rosa.