Não adormeças na curva humilde deste corpo, não faças do meu dorso travesseiro. Receio que o peso da tua vida me adoeça. Já bastam outras coisas muito minhas — medos que nunca venci a morder-me o fundo das costas, mágoas velhas a gemer nas dobradiças, ossos roídos pela fome insaciável daqueles que pari, sapos vivos que ainda queimam, atravessados, a boca do meu estômago. Se divido este corpo contigo é para honrar e celebrar a sua biografia. Então, que os teus dedos se esmerem na leitura das entrelinhas, que a tua língua suavize todos os cumes, abismos e vazios, que as tuas mãos nas minhas costas despertem as raízes de um par de asas, que uma investida tua me lance no voo primordial, feroz e urgente, e que, no fim, o teu peito se dê para que eu possa despenhar-me e chorar.