8.3.23

A minha mãe morreu torturada por um cancro que lhe cravou as garras na parte do corpo onde foi maior a generosidade dela – seis filhos dados à luz. Desde então, sondas e olhos clínicos vigiam o meu ventre com intervalos regulares e assim acredito poder antecipar-me ao monstro, caso ele pretenda fazer também em mim a sua toca. É nisto, e apenas nisto, que me custa ser mulher. Tenho privilégios. Sorte. Educação. Liberdade. Falo alto, onde e quando quero. A ninguém devo ou presto contas. Tenho fé nos meus filhos homens e no seu contributo para corrigir certas imperfeições do mundo. Mas sobrará sempre esta impressão de que a natureza ameaça o meu corpo de fêmea a toda a hora, que opera os meus recantos silenciosos, húmidos, fundos e arredondados para seu proveito e depois, quando não lhe servirem mais, cuspirá neles a sua peçonha.