18.2.23

Que falta faz à vizinhança deste blog a imperatriz, toda vestida de coisas desengraçadas para não esmagar a beleza com que nasceu e jamais poderia forjar: caracóis em brasa, olhos de verde tropical, pele de leite morno, dentes muito quadradinhos, pernas quase sempre ao léu, às vezes nos pés uns chinelos de dedo, no colo Joaquim aninhado como no ventre. Mas agora Joaquim ameninou-se, desceu dos braços da mãe, anda firme pelo próprio pé ou na correria trôpega e acidentada dos aprendizes da vida e a imperatriz já só visita a casa dos Pereira uma vez por mês, eles que se façam também à estrada caso as saudades do menino apertem. Então, de há um ano para cá, as ruas envelheceram muito. Se não fosse o novo amor da rapariga da papelaria – até ver, livre de perigos – e os atrevimentos de Alicita – que a avó desespera por calar com receio que a menina cresça igual à mãe  – nesta vizinhança só vingariam a tristeza e a resignação. E até mesmo nestas belas manhãs de sábado, em que ninguém considera a iminência quotidiana da tragédia e por isso saímos de casa portando esse gene castrador a que se chama esperança, que aborta as revoluções e embala os corações da humanidade e amolece os seus punhos dentro dos bolsos, até nestas manhãs a gente cumprimenta-se a dizer vai-se andando, cansada de estranhar o mundo logo ao levantar da cama.