19.7.22

Toquem os sinos, deitem foguetes, lancem pétalas e confetis, agitem a batuta que ordena a fanfarra, tragam à luz solar as imagens dos santos e das virgens de todas as esperas, agonias e remédios, devolvam aos anjinhos as costas, o sexo e as infâncias terrenas, levantem do chão os que se ajoelharam a pedir, façam transbordar nas taças o vinho guardado para dias raros, sequem as lágrimas e sacudam as penas, porque é chegado o fim do longo inverno sentimental da rapariga da papelaria. Enamorou-se. E vamos repetir, não vá parecer sonho, lapso ou invenção: a rapariga da papelaria enamorou-se. 
Respiram agora aliviadas as velhas que durante os últimos cinco anos viveram dedicadas a imaginar-lhe futuros ao lado de todos os rapazes bem parecidos e sem vícios. Ah, o pavor de a julgarem condenada a dormir de pés frios, eternamente diminuída à condição de mãe solteira! E se Alicita, pondo os olhos nela, lhe seguisse os passos e caísse um dia em igual armadilha? Nem é pelo que os outros pensam, isso é o de menos, garantem as velhas, mas não é triste ser só com tanta gente que há no mundo? 
A rapariga da papelaria sabe que, com a pressa de a acomodar num lugar feliz e seguro, as velhas exageram. E explica-me baixinho, debruçada no balcão: 
– Não é nada, é só uma pessoa um bocado mais especial. 
Mas a mãe, já sabemos, apanha-lhe todas as deixas, vira-as do avesso, mostra-lhe as pontas soltas:
– Dizes isso agora. Não tarda estás perdidinha de amor. Menina para cair na esparrela duas vezes és tu.
A rapariga despacha os assuntos da clientela, avia jornais e raspadinhas, faz e desfaz as contas e os trocos, que a vida continua e custa dinheiro.
– O amor não é para mim, mãe.
Fala com voz grossa ao destino para afugentar mais sofrimentos. Mas as velhas nem consideram o que diz porque já a sonham dignificada por um novo estado civil. Até se perguntam se será sensato casar de branco e se o pai de Alicita não ficará melindrado caso seja a menina a levar as alianças. 
– Então a miúda levou-as ao pai e não havia de as levar à mãe? Era o que faltava! 
A rapariga da papelaria não é tida nem achada. É no que dá ter escancarado o coração. A sua história ganhou autoria coletiva, cada um alvitra um parágrafo, supõe um capítulo, enreda um desfecho. Cá por mim, se me chamassem a dar palpite, escolheria para ela o vestido de noiva, o mais bonito que já vi em toda a minha vida, e que está desde a semana passada na montra da Jesus Peiro. Quem o criou há de ter sido tocado, de véspera, pela visão de um anjo. A rapariga da papelaria, a mais inocente e honesta entre todas as mulheres da vizinhança deste blog, caberia nele com justiça.