31.5.22

Embora continuem com ar de enfado e falta de luz própria, levando-me a imaginar que foram concebidas sem o retoque final do êxtase, as meninas exemplares encaminham-se para a adolescência com uma beleza improvável. São resultado de um desses mistérios que leva amiúde dois seres pouco abençoados a combinarem os genes de forma interessante ou, pelo contrário, surpreende um casal de beldades com criaturas feiosas. Nem as manas Pereira nem os maridos invisíveis têm elegância de feições. Salva-os, em aspeto, o esmero com que se vestem e as boas maneiras em que, aliás, foram treinados ao ponto da hipocrisia social. Mas as meninas – primas, embora ligadas como irmãs no tempo que têm passado com a avó – superam essa ascendência e parecem agora redesenhar-se por mão própria, no sentido de uma fisionomia harmoniosa, delicada e fotogénica. 
Também Joaquim, nos primeiros meses de vida, parecia filho de ninguém. Mas com o tempo fomos vendo como nele se impunham as formas e as cores da imperatriz que, sendo recessivas, conseguiram dominar o sangue trivial dos Pereira até não haver, a olho nu, prova alguma da paternidade. As meninas exemplares fizeram caminho inverso, começando agora a libertar-se de pai e mãe ou a aceitar deles apenas os aspetos da herança que possam ser conjugados favoravelmente. A mulher do senhor Pereira é preciosa colaboração. Quando as tem a seu cargo, investe nos penteados, roupas, acessórios e demais mimos que nutrem a forma como espera que elas se façam mulheres. Gaba as senhorinhas e passa com elas na alameda como se exibisse a justa recompensa pelas filhas moralistas e ingratas que criou. As netas dão-lhe a impressão que, finalmente, o destino pagou uma dívida atrasada. Além de lindas, são obedientes e – por quanto tempo? – adoram-na como ninguém jamais.