26.1.22

O Marco do ginásio parece finalmente ter embarcado nessa viagem simples, de planura amorosa, para a qual Gabi o tem desafiado nas horas vagas. São agora – diria a minha avó – como dois pombinhos a tomar café no pão quente, alheios ao frenesi da clientela e ao escarcéu da máquina de moagem, ensaiando beijos e segredinhos através das máscaras, jogando com os dedos entrelaçados. Mas nada disto eu vi ainda. A cabeleireira, de língua desocupada, é que põe e dispõe da história como se fosse a dela e lança na boca do povo os factos, os floreados, as conjeturas e tudo o mais que da alvoroçada inspiração dos salões costuma emanar. Comenta-se ainda que Gabi – que foi de férias e não pode confirmar ou desmentir – está a deixar de fumar pois sente-se indigna de um homem de físico tão bem amado, sem vícios nem deslizes, que trabalha com afinco para essa causa perdida que é a vida eterna. Ah, muito bem, sim senhora, a gente quando gosta dispõe-se a mudar pelo outro, são as vozes da sabedoria de trazer por casa a fazer o coro da aprovação, enquanto vai a escova e vem o secador. Mas a Dona Maria Isabel, a quem a urgência de opinar não abrevia os caminhos da razão, abana a cabeça e sorri. 
– Então se lhe faz bem deixar de fumar, não é bom? – pergunta-lhe a cabeleireira por saber já de cor a significação dos modos, tiques e trejeitos de cada uma das suas clientes.
– É, filha, se não reincidir mal a coisa arrefeça.
– Como assim, reincidir?
– Quero dizer se não voltar a fumar.
– E como assim, arrefecer?
– Ó filha, não sei o que ganhas em parecer menos esperta do que és. 
A cabeleireira meneia as ancas largas e preguiçosas de um lado para o outro varrendo as sobras dos cabelos cortados e vira a conversa do avesso:
– Gosto de ver aquela rapariga apaixonada, pronto! Ao menos não é como a outra, que amargou como uma velha e agora nenhum homem se chega a ela com medo de levar um banano nos queixos.
outra é a da papelaria. A outra é sempre aquela que ninguém sabe explicar e, por isso, nem se atreve nomear. Mas é enquanto a outra pendura na porta as manchetes do dia que o Marco do ginásio pasma como um imbecil defronte da papelaria, distraído das horas. Gabi há de voltar a fumar.