22.11.21

Estão como querem, as manas Pereira. Juízas atentas da imperatriz, feridas de inveja, sempre olhando de viés à espera de um passo em falso para o eu logo vi, eu sempre soube, eu avisei. Ao levar o miúdo, pôr-se longe e – de certezinha – enrolar-se com outro, dá-lhes a razão. Souberam, desde que puseram os olhos nesses outros de verde aquático, tropical, que dali viriam aborrecimentos e que o irmão, um lorpa, sairia a perder de qualquer acordo. A beleza e a inteligência são uma combinação tão improvável que só pode causar prejuízo, avisaram muitas vezes. E não se percebe se, ao desenterrarem este agouro de travo medieval, esta velharia de pretensão filosófica, as manas se desconsideram a si mesmas em beleza, em inteligência ou em ambas. 


Mas ontem, o lorpa, o beneficiário da condescendência materna, o que lá vai para atestar tupperwares de febras, rissóis, feijoadas, bacalhau com natas e tudo o mais que se coma requentado, o lorpa de passo nervoso e miudinho, que sempre está onde lhe mandam que esteja porque não faz grande questão de ir a lado algum, o lorpa escancarou o reverso da sua mansidão. Ah, não foi nada com o trabalho, o pai, as irmãs, a imperatriz ou o filho. Nenhuma causa nobre, nenhuma provação ou resistência heróica. Foi a sacanice de um tipo que lhe ficou com o lugar de estacionamento à porta da casa dos pais. Porque há coisas que não se explicam ou só ousa explicar quem venha bem apetrechado de livros das ciências exatas ou ocultas, o lorpa, artesão acidental dessa joia de família que é Joaquim, disparou de dentro do carro e, com os ímpetos de um cão raivoso, enfiou os braços pela janela do condutor que tão seriamente o ofendeu, agarrou-o pelos colarinhos e só o largou quando lhe foram pedidas as desculpas e lhe foi devolvido o lugar que, por decretos imaginários, assumiu para si. E nós, ao ver o que jamais havíamos visto, ficámos convencidos de que afinal não, ninguém toma um Pereira por lorpa. Era só o que faltava.